Professor astrofísico da UEA revoluciona aulas de ciência na Amazônia

Alunos Síndrome de Down, surdos, indígenas e de comunidades periféricas são contemplados.

À leste de Manaus, no meio do maior sistema fluvial do mundo, a Bacia Amazônica, está a Ilha de Parintins. Uma viagem de barco até a capital do Amazonas dura, em média, 27 horas. A microrregião de Parintins, por sua vez, é composta por sete cidades nas quais só é possível chegar pelo rio. A mais próxima está há 45 minutos de lancha. É ali, no isolamento geográfico, que o astrofísico português Nélio Sasaki vive desde 2012.

Professor da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), ele é diretor do Planetário Digital de Manaus e do Planetário Digital de Parintins, além de fundador e líder do NEPA (Núcleo de Ensino e Pesquisa em Astronomia). Em prol do letramento científico, ele está inovando a educação na região norte do Brasil, ensinando alunos indígenas, de comunidades periféricas e com Síndrome de Down e comunidade surda a ler o céu e seus encantos.

“É preciso ler o mundo e tudo ao nosso redor é ciências. Nós só temos que saber ler”, diz Nélio, que junto com o NEPA desenvolveu, em 2014, o 1º projeto de Planetário Digital da Região Norte do Brasil, composto pelo Planetário Digital de Parintins e pelo Planetário Digital de Manaus.

Para aproximar as pequenas cidades e a ilha de Parintins da tecnologia, são usadas videoconferências. Quando a maré está favorável e não é período de chuvas, o Planetário é desmembrado em oito caixas e viaja pelas cidades para levar conhecimento à escolas e comunidade amazonense.

Em entrevista à Fundação Telefônica Vivo, ele conta sobre seu trabalho e explica a importância do letramento científico como parte de uma educação para a vida. Confira a seguir:

Existem particularidades no céu do Amazonas que favorecem a Astronomia?

Nélio Sasaki: Além de lindo, o céu daqui se diferencia de outras regiões brasileiras devido a baixa poluição luminosa e atmosférica. Parintins, por exemplo, tem ar muito puro e céu limpíssimo. Apesar da alta umidade, a observação noturna é muito generosa. É como se estivéssemos dentro de um planetário a céu aberto.

Dizem que antes de você, Parintins nunca tinha visto um telescópio. É verdade?

Nélio Sasaki: Quando cheguei à ilha, trouxe comigo meu inseparável telescópio, com o qual fazia, todas as noites, longas observações no céu. Muitas pessoas me perguntavam que instrumento era aquele.

Em 2012, ministrei um curso de três dias sobre Astronomia e um docente acabou se interessando tanto que também comprou um telescópio. Eram, a partir daí, dois em toda a ilha para observação noturna. Assim, treinei uma equipe de 15 alunos e organizamos uma série de atividades de observação e atendimento ao público.

Hoje é comum alguém me encontrar nas ruas de Parintins e dizer: ‘Professor, comprei um telescópio! Vou fundar um Clube de Astronomia na minha escola ou comunidade’. Ou encontrarmos telescópios em escolas e clubes amadores de Astronomia espalhados por todo o Amazonas.

O que é o letramento científico por meio da Astronomia? E qual sua importância?

Nélio Sasaki: O letramento científico que usamos segue o ponto de vista de Paulo Freire, que afirmou que “É preciso ler o mundo”. Para o NEPA, todas as ciências estão presentes no cotidiano do estudante, desde o maternal.

O problema é que os estudantes, quando estão na escola, pensam nas disciplinas como compartimentadas. Uma das nossas características é a trinca interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade.

Além disso, o NEPA prioriza a presença da educação inclusiva, há também projetos voltados para as comunidades afro-brasileiras, indígenas e nipo-brasileiras. Para nós, o mundo é o laboratório de ciências, a astronomia é para todos e permite este diálogo das ciências com espaços não-formais de ensino.

A importância do letramento científico é proporcionar uma formação completa ao estudante, contribuindo para o desenvolvimento científico do indivíduo e o capacitando a buscar respostas para situações-problema do cotidiano.

E como funciona essa abordagem interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar que o NEPA usa?

Nélio Sasaki: Em 2019, comemoramos 50 anos que o homem pisou na Lua, por isso, vou usá-la de exemplo.O NEPA mostra aos estudantes as diversas ferramentas, tecnologias e conhecimentos utilizados para pisarmos na Lua. Temos a contextualização histórica, mas também estudamos a geologia lunar.

Fazemos os cálculos matemáticos das trajetórias descritas pela física dos foguetes e mobilizamos conhecimentos de engenharia espacial e robótica. Temos também que fazer análise química das amostras trazidas da Lua.

Após termos ideia dos aspectos geográficos da Lua, então podemos responder perguntas sobre o estudo da vida em nosso satélite natural, é a biologia em ação! Para fazer essa transcrição para o aluno, usamos inúmeras ferramentas pedagógicas. De forma didática e lúdica, os estudantes ficam imersos em um meio repleto de ciências e tecnologia.

Fale um pouco dos esforços do NEPA em relação à educação inclusiva, por favor.

Nélio Sasaki: A nossa filosofia é colocar a astronomia ao alcance de todos, por isso, nossa bandeira é educação inclusiva. A maior inclusão se dá quanto ao gênero, já que o NEPA encoraja a participação de mulheres na Astronomia e Astronáutica.

Nosso grupo é formado por 45 integrantes, sendo 36 mulheres. Temos também cinco indígenas, além de descendentes japoneses e quilombolas.

Conheça melhor as inovações no ensino de Astronomia do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Astronomia (NEPA), em diversas frentes de atuação:

Educação inclusiva

O projeto Astronomia para Alunos com Síndrome de Down apresenta conceitos básicos para os estudantes de um jeito mais interativo, com oficinas que visam tornar o aprendizado concreto e significativo. A Astronomia em Libras utiliza a mesma metodologia interativa, com o cuidado de criar alguns sinais para termos técnicos que não existiam no regionalismo da Língua da comunidade surda local. Além disso, o NEPA tem palestras, cartilhas e atividades lúdicas em Libras.

Astronomia Afro-brasileira

O NEPA recupera e insere em seu conteúdo didático a visão da Astronomia dos diversos povos de origem africana e suas variações, principalmente depois da chegada ao Brasil. “O que defendemos é o direito que nossos alunos quilombolas têm em olhar para o livro e se identificarem com a cultura a qual a Astronomia é ensinada”, diz Nélio Sasaki.

Astronomia para indígenas

A partir da observação de que muitas línguas indígenas estão se perdendo com o tempo, o NEPA produz uma série de cartilhas e materiais, incluindo palestras e sessões no Planetário Digital, em algumas dessas línguas. Os próprios alunos indígenas que integram o projeto e a comunidade ajudam.

Astronomia e religião

O projeto nasceu para dialogar com as escolas que têm ensino religioso como parte do currículo. “O objetivo é que os alunos tenham uma base para ler o universo sem precisar abrir mão de sua fé”, explica Nélio. Como se deu a conexão de aspectos pertinentes à Astronomia e ao sagrado? Como os povos da antiguidade pensavam o universo? Há registro de fenômenos astronômicos na Bíblia? São algumas das perguntas que o projeto visa responder.

Texto: Fundação Telefônica

Foto: Joelma Sanmelo/ Ascom UEA

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